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Depois da Nigredo, a Vermelhidão - Parte II

Cordialidade, porta de saída para a pós-pandemia

Por Cláudia Busato Filósofa, Psicóloga e Jornalista, Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP


Segue o raciocínio sobre o vermelho apresentado na Parte I deste ensaio. A propósito das representações do coração – desde o órgão real constituído de veias, músculos e sangue, até os icônicos coraçõezinhos vermelhos dos emojis – é dominante o fluido sanguíneo que nutre e recobre o órgão.


Em texto anedótico intitulado Operação Cardíaca ou Do excesso eucarístico, na obra Esferas I - Bolhas (2016, p.94), o filósofo alemão Peter Sloterdijk explica:


“a cordialidade, enquanto tal, tem sempre como efeito a cumplicidade e a instauração de uma comunidade, portanto, diz respeito à concordia, à sintonia dos ritmos cardíacos” (Peter Sloterdijk).


No sentido erótico, a união sexual evocaria os vapores sanguíneos do amor. Ou seja, na microesfera amorosa, o sangue se dilataria e circularia mais intensamente, vívido e pulsante. Algo como é a paixão rubro-negra para alguns amantes-torcedores. Mistérios da coniunctio alquímica? Sim e não, pois a fusão exasperada nos amantes pode cindir.


Mas, mesmo aqui, não nos esqueçamos da regra no 1 das linguagens: todo código social é ativo, competente e contribui para a homeostase do sistema porque condicionado à cultura e à época em que se consolida e perpetua.



O signo da luxúria, por exemplo, é contíguo à cor vermelha. No tríptico em óleo Jardim das Delícias, do pintor holandês medievo Jheronimus Bosch e que se encontra no Museu do Prado, em Madri, “jogos de amor lascivos” (SILVA; STRÖHER; KREMER, 2009, p. 363) fazem alusões ao prazer carnal, pois os lábios, o ânus, os morangos são elementos da mesma cadeia de significantes. Ou seja: na referida tela, nas cenas do mundo em pecado, os frutos mordidos seriam metáforas dos órgãos sexuais.

Mas, por ora, no cenário pós-pandêmico, atentemos a outros sinais. Como eu disse no texto Um jogo Jogado, com a COVID-19, nesse jogo de azar (Alea) sem propósito e de vidas expostas ao risco, os milhares de cadáveres e moribundos estão excluídos da rubedo social. Turvou-se a coloração do mundo “normal” por uma terrível Opus Magnnum. A nigredo. Vidas que não voltam mais.


O que temos, então para o momento pós-pandêmico? O que restou? VIDA. Vermelhidão.


Evoco por fim, neste breve ensaio, o estudioso da psique humana Carl Gustav Jung. Para compreender os percursos da alma em sua busca pela Individuação (o diálogo entre ego e totalidade do Self), o psiquiatra suíço, contemporâneo e amigo de Freud, estudou a fórmula alquímica primordial: NIGREDO (mortificatio, putrefação, morte de inocentes) – ALBEDO (alma, brancura, estado ideal) – RUBEDO (sangue, vermelhidão).


A que conduz a rubedo, o que ela vivifica? No pós-nigredo, entre enlutamentos por vidas perdidas, quarentenas, leis secas, hábitos espartanos de higiene, novas formas de convívio social, distanciamentos, o que nos anima é a cordialidade.


Ora, é a cordialidade, a confiança, a empatia, a rubedo social, a seiva que nutre e anima a vida social. Um novo jeito de olhar o outro sem as “máscaras” sociais nocivas, sem as armas paralisantes do preconceito e o horror à diferença que separa e mata, sinaliza para prósperos limiares sociais locais e globais.


O novo modo de ver na pós-pandemia é um olhar empático, tecido pelo amor e pelo silêncio - o vértice mais alto da comunicação humana – duo afinado que engendra a cordialidade. Como diz Gilberto Gil, na canção Pela lente do amor, de 1981:


“Pela lente do amor sou capaz de entender os detalhes da alma de alguém. Pela lente do amor vejo a flor me dizer que ainda posso enxergar mais além...”.

Esta é a saída. Até!

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